A EVOLUÇÃO DO DIREITO DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS: perspectivas e desafios
THE EVOLUTION OF THE RIGHT OF DOMESTIC EMPLOYEES: perspectives and challenges
Maria Rosimere de França*
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo principal fazer a análise da evolução do direito dos empregados domésticos, demostrando as perspectivas e os desafios presentes na efetivação da lei. Nesse sentido, serão apresentadas as mudanças significativas de acordo com a lei, bem como algumas contradições que presentes nestas relações. Como aporte teórico buscamos as contribuições de Delgado (2010), Santos (2013), Martins (2011), Ferreira (2013), dentre outros que tratam de uma série de aspectos como, conceito, caracterização e divergências desta classe. Desse modo, conclui-se que apesar de todas as mudanças hoje previstas em nosso ordenamento jurídico, ainda há muito a se fazer, sobretudo porque algumas ainda precisam de norma infraconstitucional para serem efetivadas.
Palavras-chave: Empregado doméstico, direito, evolução.
ABSTRACT
This work has as main objective to make an analysis about the evolution of the right of domestic employees, showing the perspectives and challenges in the enforcement of the law. Significant changes in accordance with the law, as well as some contradictions presents in these relations will be here discussed.As theoretical basis were adopted contributions from Delgado (2010), Santos (2013), Martins (2011), Ferreira (2013), and others that deal with a lot of aspects such as concept, characterization and divergences of this class.In this way, we can conclude that despite all the predicted changes today in our legal system, still there is a lot to do, especially because some need of infra-constitutional norms to be enforced.
Key words: domestic employees, right, evolution.
1. Introdução
A história da origem dos empregados domésticos está ligada a escravidão, o que de certo modo contribuiu para a desvalorização desta classe. Uma das principais formas de surgimento da escravidão ocorria através de confrontos bélicos, cujo grupo vencedor escravizava aqueles que conseguiam derrotar, passando assim a servi-los.
Com o decorrer do tempo, muitas transformações ocorreram principalmente após a Lei Áurea em 1888, o trabalho passou a ser valorizado como meio de garantir a subsistência, embora que muitos negros tenham continuado a serem serviçais de seus próprios donos por falta de oportunidade. Nesse sentido, em 1923 o Decreto de n° 16.107 regulamentou os serviços domésticos, determinando quais seriam tais trabalhadores. Posteriormente, essa questão passou a ser tratada na CLT, na Carta Magna de 1988, em outros decretos, bem como na Convenção 189 da OIT, garantindo assim uma série de direitos a esses trabalhadores, como será tratado mais adiante.
Foi justamente nesse sentido que é que foi escolhido, como corpus deste estudo, fazer uma análise da evolução do direito dos empregados domésticos, demostrando as perspectivas e os desafios presentes na efetivação da lei. Dentre os pressupostos teóricos, estão artigos e textos, que contribuíram para enriquecer esta proposta elucidando as devidas formulações teóricas e críticas deste trabalho. Serão apresentadas contribuições de vários teóricos dentre eles Delgado (2010), Santos (2013), Martins (2011) e Ferreira (2013) que tratam sobre estas questões de maneira geral.
Espera-se assim, fornecer contribuições no tocante a essas questões, além de tratar um pouco da evolução histórica do direito da classe, bem como demonstrar a caracterização, as perspectivas e os desafios da sociedade em relação aos empregados domésticos.
2. Breve histórico sobre a evolução do direito dos empregados domésticos
Como já dito, em 1923 o trabalho doméstico foi regulamentado pela primeira vez. Mas foi somente em 1941 que o termo empregado doméstico foi conceituado. Na verdade, este era considerado como “o que prestava serviços em residências particulares mediante remuneração” (Martins, 2011, p. 148). Além disso, foram estabelecidos outros direitos tais como o aviso prévio e o direito a rescisão.
Em 1943, entrou em vigor o Decreto-Lei 5.452 (Consolidação das Leis Trabalhistas- CLT) que diferenciou os trabalhadores domésticos das demais categorias. Não obstante, foi somente com a lei 5.859/7, regulamentada pelo Decreto n° 71.885 de 1973 que definiu com exatidão “a relação de emprego doméstico, tendo passado por determinadas alterações, com o objetivo de adequá-la a nova realidade constitucional vivida pelo país desde 1988” (Santos, 2013, p. 02).
Vale salientar que a Constituição Federal de 1998 em seu artigo 7°, instituiu o rol dos direitos trabalhistas. Porém, em seu parágrafo único destinou apenas nove incisos para os trabalhadores domésticos, uma vez que os trinta e quatro incisos são destinados aos demais trabalhadores. Isso nos remete a assertiva de Ferraz e Rangel, 2010:
[...] no que diz respeito ao trabalho doméstico, o anátema sociocultural que o estigmatiza se projetou na Constituição Federal. Apesar de o constituinte originário ter dado um passo à frente no tocante à proteção jurídica destinada ao empregado doméstico, a Constituição Federal de 1988 traçou patente desnível jurídico entre a proteção destinada à referida categoria e àquela destinada aos demais trabalhadores urbanos e rurais (p. 8646).
Nesse sentido, é perceptível que os direitos e garantias fundamentais foram negados aos empregados domésticos, sendo estes estigmatizados e desrespeitados de certa forma, ferindo assim o princípio da isonomia.
A partir de março de 2000 a medida Provisória 1.986, permitiu que o empregador por ato voluntário, estendesse o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço a seu empregado, passando este, a ser contemplado com o seguro-desemprego no caso de dispensa injusta. Por outro lado, foi somente com a Lei n° 11. 324/06 que esta categoria teve direito ao descanso remunerado em feriados, 30 dias de férias corridas, além da garantia de emprego à gestante.
Em 2009, o Brasil participou da Convenção 189 da OIT, que ocorreu na 100° Conferência, com a participação de empregados, empregadores e governo. Nesta ocasião, foi aprovada a Recomendação n° 201 que orientou os países a efetivarem os direitos dessa categoria. Atualmente, com a aprovação da PEC n° 478 de 2012 (ou PEC das domésticas como ficou conhecida) que teve como relatora a Senadora Federal Lídice Matta é que foi garantida uma maior extensão dos direitos trabalhistas dispostos pela CLT, embora até hoje alguns desses direitos ainda estejam sem regulamentação.
3. Empregado doméstico: conceito e caracterização
O empregado doméstico é considerado como uma espécie da figura jurídica de empregado. Na verdade, “é a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinamente, serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, em função do âmbito residencial destas” (Delgado, 2010, p. 354).
No nosso ordenamento jurídico, esta atividade foi regulamentada pela lei 5.859/72 na qual abarca um rol de trabalhadores denominados como domésticos. Assim, estão incluídos o motorista, a babá, a arrumadeira, a faxineira, a lavadeira, a enfermeira, dentre outros. Entretanto, de acordo com Martins (2011) o motorista não presta serviços no ambiente residencial, mas para o ambiente residencial, daí uma contradição. Vale ressaltar, que o trabalho deve ser exclusivamente voltado para as pessoas da família, sem fins comerciais, pois se isto ocorrer, o trabalhador deverá ser regido pela CLT.
Em relação à continuidade e não eventualidade é perceptível que há uma polêmica. Trata-se da questão de que até que ponto um trabalho é considerado contínuo. Nesse sentido, Ferreira (2013) corrobora:
A doutrina e a jurisprudência divergem acerca da conceituação dada pela Lei n° 5.585/72, especificamente quanto à nomenclatura “continuidade”, diferente da utilização usada pela CLT: “não eventual”. É possível apreender a existência de duas interpretações: a primeira corrente expõe que é dispensável a diferenciação, demonstrando ambas as nomenclaturas a necessidade de “repetição do trabalho durante todo o contrato”; a segunda entende que “continuidade” relaciona-se a trabalho ininterrupto (p. 02).
Dessa forma, é preciso que o trabalho seja seguido, contínuo, isto é, seguido, sem interrupção para ser considerado como doméstico, diferentemente da não eventualidade, visto que não depende de tempo, mas que se repete por hábito. Assim, se trabalhar apenas dois dias não existe vínculo, contudo, três dias já pode ser considerado como contínuo, havendo assim, uma caracterização de trabalho doméstico.
Por outro lado, é preciso que haja proteção de ambos os lados, visto que garante ao empregador uma maior segurança no momento da contratação. Assim, é pertinente a apresentação dos documentos exigidos (CTPS, atestado de boa conduta e atestado de saúde) já que o empregado doméstico estará presente no âmbito familiar em contato com crianças e idosos que necessitam de cuidados especiais.
4. Perspectivas e os desafios: breves notas
Com a aprovação da PEC n° 478 de 2012, foi garantida uma série de benefícios entre eles à jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais, direito ao auxílio-acidente, FGTS obrigatório, proteção pela despedida imotivada, insalubridade, periculosidade. Dessa maneira, “a efetivação dos direitos trabalhistas para os empregados domésticos é uma necessidade que visa à segurança jurídica social da relação de emprego dentro do lar” (Santos, 2013, p. 13). É preciso que tais mudanças sejam efetivadas para que as máculas e diferenças sejam superadas, pois sempre estiveram em situação desigual.
Cabe lembrar, que existem várias divergências tanto doutrinárias, quanto jurisprudenciais sobre a extensão dos direitos trabalhistas, sobretudo aos que dizem respeitos à efetivação da relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, seguro-desemprego, fundo de garantia por tempo de serviço, adicional noturno, assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré-escolas, indenização a cargo do empregador, em casos de acidente de trabalho, quando incorrer em dolo ou culpa.Estes direitos, somente serão assegurados se atendidas às condições previstas na lei, através de legislação infraconstitucional superveniente.
Portanto, apesar de todas as conquistas, é preciso que o legislador agilize a “aprovação das mudanças essenciais nos textos legais, para a aplicação da resolução das diversas lides jurídicas, tanto trabalhistas, quanto de natureza previdenciária, pela relação intrínseca do tema (Santos, 2013, p. 13)”. Só assim que os trabalhadores domésticos terão um tratamento equiparado aos demais.
5. Considerações finais
Diante do exposto, é perceptível que todas as mudanças apresentadas constituíram um novo marco paradigmático. Estas se encontram na CLT, na Constituição de 1988, na Recomendação de n° 189 e na PEC n° 478 de 2012.
No entanto, ainda há muitos aspectos que necessitam ser esclarecidos para que a relação empregadora e empregado seja digna, respeitável e justa para ambas as partes, pois se trata de uma relação que necessita de patamares necessários a fim de resguardar o direito de ambos, como definir a jornada de trabalho de oito horas, o seguro acidentário, o FGTS, entre outros aspectos, impedindo que interesses econômicos e particulares prevaleçam, resgatando e/ou oferecendo o real compromisso do Direito com a sociedade.
6. Referências
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________. Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/15859.htm>. Acesso em: 15 outubro 2014.
DELGADO, MAURÍCIO Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13 ed. São Paulo: LTR, 2014.
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FERREIRA, Clara Maria Carneiro. O conceito de empregado doméstico: abrangência, caracterização e divergências. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 20 ago.2013. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.44839&seo=1. Acesso em: 15 out. 2014.
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